Qual a diferença entre uma boa
ficção científica e uma ruim? A primeira possibilidade costuma ser respondida
quando pensamos o quanto dela permaneceu depois da sessão. Sabemos que é ela é
eficiente pois as questões que levantou ressoam em nossa humanidade, no futuro
e na forma como nos enxergamos. Grandes obras desse grupo tocaram em temas
profundos e por isso sua classificação hoje sempre leva em conta seu conteúdo
além da forma. Já as ruins não sabem como seguir os passos das primeiras e
acabam limitadas aos seus elementos obrigatórios de gênero, continuamente
incapazes de ir além da superfície. Infelizmente, Cópias – De Volta à Vida se insere nessa última definição.
O filme narra a busca do
neurocientista Will Foster (Keanu Reeves) para realizar um
procedimento inédito em humanos: transferir a mente de pacientes mortos
recentemente para um corpo robótico, mantendo suas personalidades intactas.
Após um acidente com sua mulher Mona
(Alice Eve) e seus filhos, ele
precisa correr contra o tempo para colocar em prova a nova tecnologia, mesmo
que ela desafie sua ética e as leis mais básicas da natureza.
Pela sinopse, não é difícil
imaginar que o roteiro escrito por Chad
St. John (A Justiceira, Invasão a
Londres) tenha um potencial aparente em discutir temáticas comuns às
ficções científicas das últimas décadas. A união de angústias existencialistas
relacionadas à morte (um assunto já antigo) com o crescimento exponencial da
robótica – incluindo os avanços físicos e o poder de processamento de dados em
simular a realidade – já foi alvo do cinema diversas vezes. A gama de
possiblidades é extensa e pode envolver tudo que abarca nossa sociedade
atualmente: religião, moral, bem-estar, sustentabilidade, guerras e tudo que
está relacionado ao nosso futuro como espécie.
Desse modo, é uma pena que o
longa dirigido por Jeffrey Nachmanoff
(cineasta vindo de trabalhos na TV) não consiga sequer arranhar direito por
todas essas perspectivas. Ideias por ideias são sempre bem-vindas, mas, em um
filme, não passam de boas premissas se não executadas de uma maneira
satisfatória. Quando não se tem uma boa base dramática para segurar essas
ideias, a trama resulta fraca e os personagens não correspondem às suas funções
principais: se relacionar com o espectador.
Portanto, é claro desde o início
que um dos principais problemas já reside em seu protagonista. Keanu Reeves já era famoso na década de
1990, mas se tornou mesmo um astro na trilogia Matrix. De lá para cá, tem ficado evidente que o ator sempre teve
sérias limitações dramáticas (costuma funcionar em papeis específicos, como na boa
série John Wick). Aqui não é
diferente e boa parte de nosso investimento fica prejudicada por sua fraca atuação.
A dificuldade em não entoar diálogos dramáticos de forma artificial e as
expressões monotonais saem tanto pela culatra que as vezes o longa parece estar
querendo rir de si mesmo (o que talvez não seria má ideia se assumisse logo
isso). Se o nosso protagonista tem dificuldades em levar a trama, ela também
perde em envolvimento.
Mas seria reducionista atribuir a
culpa somente a ele. O roteiro, repleto de exposição e faltando a sutileza para
inserir os temas que se propõe, é o principal entrave para a narrativa engatar.
Na parte da tecnologia, não sobra muito que se discutir além do que já foi
feito melhor em obras anteriores (em alguns aspectos, lembra Ghost in the Shell). Em meio a termos
biológicos e científicos, o texto cai constantemente na armadilha de ser ver
obrigado a parar o ritmo com o objetivo de explicar a trama, usando o artifício
de colocar dois especialistas na área lembrando um ao outro as definições
básicas do procedimento para que o público não se perca.
Na questão das temáticas mais
éticas e filosóficas, a coisa fica ainda pior. A discussão que envolve nossa
verdadeira identidade diante de conceitos como corpo, mente, alma e etc é
pincelada em alguns diálogos com o parceiro de laboratório, Ed (Thomas
Middleditch), e a esposa. No segundo caso, a personagem, que era justamente
a fonte de várias das questões a serem abordadas, vai caminhando por um caminho
cada vez mais decepcionante, chegando ao ponto de reduzir toda a pretensa
profundidade de seu arco em algumas briguinhas de casal (não entrarei em
detalhes para não dar spoiler). O resultado dessas más decisões faz com a trama
se desenvolva de forma inverossímil, tornando as novas informações e escolhas
cada vez mais artificias e sem nenhum senso de importância.
Mesmo que argumentássemos que a
proposta de longa não seja discutir tais ideias (o que já seria uma traição das
próprias premissas), não resta muita coisa do que se aproveitar. Dirigido de
forma bastante burocrática por Jeffrey
Nachmanoff, não há um plano sequer que fique na memória ou alguma ideia
visual, seja na parte da ação quanto na concepção da atmosfera, que se
destaque. Na verdade, quanto tem a chance, o cineasta opta pelas piores
abordagens – como se nota na insistência em inserir planos holandeses
(inclinados em relação ao eixo do horizonte) sem nenhum tipo de critério, tanto
para sequencias mais tensas quanto em simples tomadas abertas para estabelecer
um local, o que parece ser cada vez mais um artificio desesperado para que
diretores sem imaginação tentem dar “autoria” visual a seus trabalhos.
Em um caso onde a história fosse
boa e o conteúdo suplantasse esses problemas, poderíamos ignorar o baixo
orçamento da produção para os padrões americanos (30 milhões de dólares), mas
aqui fica difícil não apontar o decepcionante trabalho de CGI, que, mesmo
eventual, é o bastante para prejudicar imersão de qualquer um. O mesmo vale
para a direção de arte, que basicamente transforma a palavra “genérico” em
situações copiadas de qualquer filme que tenha abordado temas similares: robôs,
visualizações em 3d de ambientes computacionais e manipulações em realidade
virtual (bem parecidas com aquelas já apresentadas em Minority Report, de 2002).
Somando tudo, não precisa de
muita revisão após o término da projeção para começar a identificar uma série
de furos e conveniências – principalmente as que envolvem a lógica de
funcionamento de um suposto grande centro de pesquisa e o fato de um cientista brilhante
jamais pensar em consequências óbvias de seus planos. À medida que mais
elementos vão aparecendo, como debates envolvendo a aplicação militar da
tecnologia, implicação de governos e personagens vilanescos, o longa fica cada
vez mais com cara de uma sátira não intencional.
É quase aquele filme tão ruim que
dizemos ser bom. Só que, nesse caso, sem a autoconsciência necessária para
isso.
Deixe sua opinião:)