O marido chega em casa após um
dia de trabalho e diz para a esposa em um momento de relaxamento: “Eu cheguei à conclusão que preciso ter a
liberdade de não continuar dormindo somente com você”. Pouco antes da
revelação, ele aparece em momentos apaixonados com a mulher, entoando
declarações de dar inveja a qualquer casal que tenha caído na rotina. O que
aconteceu? O que levou um homem considerar essa possibilidade em meio a uma
relação aparentemente saudável? É isso que a coprodução entre Brasil e
Argentina, Happy Hour – Verdades e
Consequências, procura discutir através dos efeitos da decisão na vida
pessoal de cada um.
O longa narra esse ponto de
virada do professor universitário Horácio
(Pablo Echarri) logo depois de
sofrer um acidente inusitado quando voltava dirigindo para casa à noite. Sua
esposa, Vera (Letícia Sabatella), recebe a notícia como uma bomba e começa a ter
dificuldades em conciliar a crise no casamento com a sua futura candidatura
para prefeita. Em meio a novas e desconhecidas perspectivas, o casal terá de
encontrar uma forma de manter a outrora conexão exemplar que tinham
anteriormente.
Diretor estreante em longas de
ficção (participou do documentário Paysandu,
100 Anos de Payxão), Eduardo
Albergaria tem uma premissa interessante nas mãos. Não só focando a trama
diretamente na questão do casamento, o roteiro – escrito por ele juntamente com
Ana Cohan, Carlos Thiré e Fernando
Velasco – estende seu alcance para temas como desejo, sexo, fidelidade,
amizade e até a questão da construção de uma imagem pública como forma de
manter as aparências no jogo político.
Nesse ponto, até que o longa tem
seu valor ao colocar na mesa quais são os valores atuais de um relacionamento
amoroso. Estariam as gerações mais velhas preparadas para absorver a noção de
que o desejo é tão intrínseco ao ser humano que seria impraticável – e até
antinatural – limitá-lo às barreiras da monogamia? Horácio jura de pé junto que
a permissão que almeja é apenas um detalhe bobo e físico que jamais teria
importância frente ao amor que sente por Vera. Mais ainda, será que isso tudo
só funciona assim dessa maneira romantizada porque a ideia partiu dele, um
homem? Pois, assim que ele percebe a óbvia via de mão dupla, não parece mais
tão aberto às possibilidades – eu posso, mas não ela, ora!
Infelizmente, tudo passa mais
pelas boas intenções do que exatamente por uma execução satisfatória. O grande
problema é que os ricos temas propostos pela obra dependem totalmente dos personagens
para que ganhem a profundidade devida. A forma como o roteiro escolhe
determinar seus caminhos sofre pela superficialidade e por uma tendência a
recorrer a caricaturas que se transformam em uma lição de moral para o
protagonista. O amigo, Ricardo (Luciano Cárceres), é colocado
basicamente como um mulherengo que está sempre em busca de flertar com qualquer
uma que dê a chance – o que só piora por causa de um desfecho que soa
inverossímil com a forma como ele foi desenvolvido. O próprio Horácio, assim que um acontecimento o
torna famoso nos jornais, se torna uma espécie de Don Juan mais velho e
irresistível a todas as jovens universitárias que o olham com cara de lascívia.
No núcleo feminino, a coisa
talvez melhore um pouquinho e, apensar da estudante Clara (Aline Jones)
figurar como a ninfeta que está sempre querendo se jogar em cima do professor
sem qualquer tipo de sutileza, ao final ganha um diálogo que é
surpreendentemente poderoso, dando ao menos uma leve sensação de redenção. A
talentosa Letícia Sabatella é a
atriz que ganha mais material para desenvolver Vera, com a chance de navegar entre possibilidades diferentes para
seu arco – assim, é uma pena que sua personagem seja um pouco prejudicada por
uma certa inabilidade da direção em tornar os conflitos mais orgânicos (grande
parte das brigas e conversas com Horácio soam ensaiadas demais) e por estar
inserida numa péssima subtrama política liderada por Arlindo (o também talentoso Chico
Diaz), um personagem terrivelmente caricato com o qual o ator pouco pode
trabalhar.
Somente as discussões propostas
seriam suficientes, mas há também uma outra mínima subtrama envolvendo um
bandido mascarado pelas noites da cidade, que tem como marca deixar suas
vítimas amarradas juntas nos cômodos de suas casas, como num sofá ou mesa de
jantar. Logo a metáfora que o longa acredita ser poderosa em reação à família e
às próprias projeções dos anseios de Horácio se mostra boba demais, além de ser
perfeitamente possível entender o recado sem que toda ela fosse necessária na
história.
Happy Hour – Verdades e Consequências tem um começo que promete
mergulhar em questões interessantes sobre a dinâmica de um longo relacionamento
nos dias de hoje, mas acaba sendo prejudicado por um desenvolvimento
superficial e por personagens que não são capazes de suportar a pretensão dos conflitos
propostos pela própria narrativa.
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