Dirigido por Dennison Ramalho, o filme conta a história de Stênio (Daniel de Oliveira), um plantonista noturno de um necrotério que fala com mortos e que, após usar uma informação recebida de um morto para se vingar, acaba sendo atormentado pelo espírito de uma das vítimas de sua vingança.
![]() |
Daniel de Oliveira em “Morto Não Fala” |
Dirigido por Dennison Ramalho, o filme conta a história de Stênio (Daniel de Oliveira), um plantonista noturno de um necrotério que fala com mortos e que, após usar uma informação recebida de um morto para se vingar, acaba sendo atormentado pelo espírito de uma das vítimas de sua vingança. Apesar de ainda não ter data de estreia, o longa está previsto para entrar em circuito durante o primeiro semestre de 2019.
Após a exibição do filme no famoso festival carioca, nossa equipe conversou com o diretor. Confira a entrevista.
LOUCOS POR FILMES – Antes de mais nada, gostaríamos de saber quais as suas inspirações, as suas referências para criar histórias de terror.
DENNISON RAMALHO – Depende do projeto. Mas falando de cinema de terror brasileiro mais urbano, que é o que eu tenho tentado fazer nos últimos anos nos curtas-metragens, eu sempre me lembro muito da imprensa sensacionalista que existia em São Paulo quando eu estava crescendo. Falo do jornal Notícias Populares, que tinha notícias sensacionalistas de religião, feitiçaria, macumba, assassinato, crimes passionais, extermínio, ou seja, todo esse universo macabro, essa presença reinante da morte principalmente nas grandes cidades do Brasil, tudo isso sempre me inspirou muito.
Depois o próprio cinema de horror, que eu cresci assistindo. Desde criança, eu sou fã de filme de terror. Eu gosto de dizer para as pessoas que eu não tive Disney, eu tive Hammer, ou seja, a Hammer foi a minha Disney. Eu cresci assistindo a isso, eu conheço bem o gênero e estou fazendo filme de terror há quase 20 anos.
Morto Não Fala é o meu primeiro longa, demorou a sair, mas são muitos anos fazendo curtas de terror. Por exemplo, eu tive uma colaboração com o Zé do Caixão, escrevendo o roteiro de Encarnação do Demônio, que o último grande filme do Mojica. Então, eu tenho uma vida nesse gênero.
Eu gosto muito do cinema do George Romero, porque eu acho que a dramaturgia dele é muito boa. Não são apenas o sobrenatural, a morte, o gore, a violência, mas, em primeiro lugar, são as pessoas que estão passando por aquilo e a tridimensionalidade dessas pessoas. É isso o que eu busco: que as histórias de terror tenham uma boa dramaturgia, sejam boas histórias antes de serem terror. Primeiro, elas terem que ser boas histórias, com personagens profundos e tridimensionais antes de serem anguladas pelo filtro do terror.
LOUCOS POR FILMES – Recentemente, o Brasil tem visto surgir uma considerável onda de filmes de terror nacionais, como O rastro, As boas maneiras, Mal Nosso e, em breve, Morto Não Fala também vai entrar em circuito. Como você vê esse panorama? E, para você, qual a importância de termos produções nacionais desse gênero?
DENNISON RAMALHO – Algo que os espectadores brasileiros não sabem ou não veem é que sempre teve cinema de terror no Brasil, desde o início do cinema brasileiro. É um gênero muito raro, que, de vez em quando, vem em pequenas ondas.
Por exemplo, eu lembro que, no início dos anos 2000, houve uma grande quantidade de curtas brasileiros de terror. Existe aquela fase autoral, nos anos 60, com Zé do Caixão, John Doo, Ody Fraga. Agora, mais recentemente, uma onda mais sofisticada, já conversando com o que os críticos chamam de pós-horror, que é esse cinema de horror que se coaduna mais com o cinema de terror japonês, com o cinema de terror escandinavo, que é o exemplo de As Boas Maneiras. Tem também o cinema do Rodrigo Aragão, que é mais brejeiro, mais folclórico, mas que, ao mesmo tempo, conversa muito com o cinema do Sam Raimi (Evil Dead).
A meu ver, o cinema de horror brasileiro está dialogando com a contemporaneidade do gênero no restante do mundo. Acho que essa é a função da geração da qual eu faço parte, assim como o Marco Dutra, Juliana Rojas, a Gabriela Amaral Almeida, até o Andrucha Waddington – que agora está fazendo um filme chamado O Juízo –, o João Caetano Feyer, com o Rastro.
LOUCOS POR FILMES – Morto Não Fala apresenta uma violência gráfica sem receios, o que nos lembra a ousadia do atual cinema de terror francês, que abusa do gore com muito propriedade. Você teve dificuldades para trabalhar com violência explícita no seu filme? Se sim, quais foram essas dificuldades?
DENNISON RAMALHO – Muito mais difícil que os efeitos, a maquiagem, as coreografias de luta, é conseguir colocar o ator e a atriz naquela condição: em uma situação extrema, perto da morte, em um estado de possessão, com outra personalidade. Então, colocar o ator ou a atriz nessa condição, que, às vezes, é até de quase risco físico, é muito sensível. Por isso que eu acho que a maior dificuldade para se filmar violência é conseguir firmar esse pacto com os atores, de conseguir chegar a essa condição psicológica terrível.
É curioso você citar o New French Extremity, que é o movimento seguido por filmes como Martyrs (Mártires) e A L’intérieur (A invasora), filmes dos quais eu sou muito fã, porque eu me identifico muito com essa geração atual do cinema francês que mostra uma violência extrema. Os meus curtas-metragens vão muito nessa direção. Eu tentei, o máximo possível, fazer isso em Morto Não Fala, mas eu tenho um novo projeto, chamado Cruz das Almas, que é ainda mais extremo, mais adulto e que aborda magia negra. Eu também gosto muito do cinema do Lucio Fulci, que é dos anos 70 e 80, superviolento.
LOUCOS POR FILMES – Em Morto Não Fala, percebemos que os personagens não são estereotipados, como costuma acontecer bastante em filmes de terror. Além disso, sabemos que o longa é a adaptação de um conto. Como foi transformar um conto em longa-metragem e, ainda assim, construir personagens que não são caricaturas?
DENNISON RAMALHO – Em primeiro lugar, tentando construir uma biografia para cada personagem e por meio de muita conversa com os atores para tentar ver melhor o que não foi possível apenas com o conto e até mesmo com o próprio roteiro do longa. Elaboramos perguntas como: “Quem são essas pessoas?”, “De onde elas vieram?”, “De onde veio o dom do Stênio?”, “Desde quando ele lida com isso?”, “Há quanto tempo essa esposa infeliz conhece e convive com o marido?”. Nós criamos todo um passado para esses personagens que as permitisse encontrar o seu calço no presente da história.
Eu acho que isso é uma obrigação de qualquer cineasta, senão os personagens não são personagens, mas apenas plot devices (instrumentos de trama). A meu ver, todo drama que se pretende de qualidade, que pretende transcender o melodrama, tem a obrigação de fazer essa exploração e encontrar as pessoas dentro dos personagens com os atores.
LOUCOS POR FILMES – Para finalizar, você já chegou a mencionar que Morto Não Fala, a princípio, seria uma série, mas acabou sendo adaptado para o formato de longa-metragem. Ainda assim, a proposta de fazer uma série com a história está de pé. Gostaríamos de saber se a trama no formato seriado será posterior à história do longa (como um spin-off) ou se o que se pretende é trabalhar a história do filme, só que de forma mais detalhada?
DENNISON RAMALHO – A verdade é que estamos tentando entender como ficará esse formato, porque a série ainda não está escrita. Existe uma primeira versão da série que foi escrita, mas a emissora que estava envolvida se mostrou muito preocupada em fazer algo tão violento, tão sombrio. Então, resolvemos fazer um longa para podermos testar as águas primeiro.
Assim como nós encontramos personagens, nós encontramos histórias também. No longa, encontramos uma determinada história. Agora o desafio é entender o que a série vai ser a partir dessa história e o quanto ela vai conversar com o passado. Acho que uma grande questão que fica em aberto é de onde vem o dom do Stênio, que precisa ser explorada na série.