“A História se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. A célebre frase do alemão Karl Marx, contida em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (1852), pode facilmente resumir o novo trabalho do cineasta Damien Chazelle, o qual, na contramão de La La Land - Cantando Estações (2016), seu maior sucesso até o momento, propõe que Babilônia (Babylon, 2022), o quinto longa-metragem de sua filmografia, seja uma obra de proporções faraônicas, movida por excessos, estímulos instantâneos e dotada de uma ideia governante menos romântica do que a de seus projetos anteriores. O resultado é imperfeito, porém, jamais deixa de ser interessante.
Boa parte dessas imperfeições, aliás, vem da dramaturgia: embora possua bons personagens e um elenco afiado os interpretando, o texto, também realizado por Chazelle, tateia por tramas cuja carga dramática são muito díspares entre si, mas que, ainda assim, o roteirista insiste em inseri-las no meio dos conflitos centrais. São, infelizmente, os exemplos das histórias encabeçadas por Sidney (Jovan Adepo) e Lady Fay Zhu (Li Jun Li), versões ficcionalizadas de Louis Armstrong e Anna May Wong, respectivamente, as quais sequer constituem núcleos fortes isolados, tendo uma presença mais anedótica de modo a realçar os elementos negativos do tema central: o fazer cinematográfico, com destaque para o método industrial hollywoodiano - e a sequência de sucessivos takes infrutíferos não só é retrato histórico fiel, como também encapsula com sinceridade a ansiedade técnica de um set de filmagem.
É nesse componente que Babilônia realmente se revela como um ponto fora da curva dentro das empreitadas de seu diretor, já que, embora o ambiente da Hollywood dos anos 1920 seja retratado como esfuziante, o encantamento perpassa mais uma sensação de hedonismo imediato do que propriamente alguma noção de autoimportância artística por parte dos personagens, ao contrário de La La Land. Aqui, os personagens são, antes de tudo, apaixonados pelo escape de realidade propiciado pelo ofício dramático e pelas festas dionisíacas que frequentam, mas que não necessariamente buscam uma realização pessoal ou criativa por meio do Cinema.
Portanto, a estrela ascendente Nellie LeRoy (Margot Robbie), o astro consolidado Jack Conrad (Brad Pitt) e o produtor em formação Manny Torres (Diego Calva) podem até gostar de trabalhar com Arte, todavia, o que os move verdadeiramente é a realização do natimorto Sonho Americano. Ademais, toda a caracterização inicial da narrativa, da sátira à tragédia, pontua as desmesuras do universo que engloba Nellie, Jack e Manny, lançando a plateia em um mundo no qual elefantes de estômago incontinente, brigas com cascavel, orgias indiscriminadas, galinhas roubando drogas e bêbados sendo arremessados janela afora é plenamente convencional. Talvez por esse motivo, Sidney e Fay Zhu recebam menos destaque nesse mosaico, já que esses, sim, são artistas legítimos, sérios, em constante reinvenção, por mais que Chazelle se livre de ambos sem cerimônia quando não sabe mais o que fazer com eles.
Todavia, essa omissão tem efeitos colaterais: primeiro, como já dito, desbalanceia a arquitetura dramática do roteiro; segundo, incha a metragem para 188 minutos, com os quais, pelo menos, o montador Tom Cross lida habilmente; terceiro, abre precedentes para interpretações pouco coerentes e potencialmente maliciosas que colocam minorias (raciais, sexuais e de gênero) em posição de destaque em relação à branquitude decadente, podendo, assim, dar a entender que esses grupos representem uma ameaça às maiorias ou que tenham prosperado gloriosamente nas décadas seguintes - o que, sabemos, não se cristalizou da forma como este longa sugere.
A despeito disso, Chazelle entrega um trabalho que se estabelece para si a noção de testamento de uma era, o que, deve-se admitir, faz com o virtuosismo característico do cineasta de 37 anos: a câmera de Linus Sandgren é agilíssima, bem como seus close-ups sempre captam a dimensão emocional dos personagens e de seus intérpretes, ao passo que o design de produção de Florencia Martin e a direção de arte de Ace Eure, Anthony D. Parrillo e Jason Perrine abraça as variações de vermelho, amarelo, laranja e marrom que caracterizam tanto o apogeu quanto a queda dos protagonistas, tudo acompanhado do jazz irresistível de Justin Hurwitz, cuja melodia principal se desdobra em vários tons, ritmos e andamentos para servir aos propósitos dramáticos da produção.
É só, então, ao término de sua épica, mas nunca mastodôntica, projeção que Babilônia justifica os elos propostos com Cantando na Chuva (1952) e que, nesta crítica, ecoam na frase de Marx na abertura do livro sobre os processos históricos que levaram a dinastia Bonaparte ao poder: aqui, a transição do cinema mudo para o cinema falado devasta a vida dos personagens centrais e, anos mais tarde, quando é popularizada no clássico dirigido por Stanley Donen, tais dilemas tão excruciantes e determinantes se convertem nas piadas recorrentes da atriz de voz tonitruante e do galã canastrão. Primeiro, vem a tragédia; depois, a farsa. Ainda assim, um estranho misto de melancolia e ridículo se forma no interior do espectador. Marx asseverou que essa ironia poderia ser constatada na análise material da História, é verdade, mas jamais poderia conceber que, um dia, essa constatação poderia se solidificar diante de nós como uma monstruosa, inebriante, inusitada e nauseante festa, cujo fim está longe de chegar, já que ela é o próprio Cinema.
Quando se encerrar, enfim, já sabemos por que caminho enveredará.