Continuando com um de seus temas
favoritos, o cineasta Sérgio Rezende
mais uma vez aborda em sua filmografia um momento político marcante na história
do Brasil. Assim como fez em Lamarca
(1994), Guerra dos Canudos (1997)
e Zuzu Angel (2006), a escolha de
personalidades que fizeram parte da oposição ativa contra o regime militar lhe
parece bastante cara. Dessa vez, o caso se desloca para 1985, em plena
expectativa para a posse do 1º presidente civil (mesmo que escolhido
indiretamente por um colegiado) desde o Golpe de 1964. Em O Paciente – O Caso Tancredo Neves, a grande figura da vez é o ex-presidente
cujo nome marca o título tanto do filme como do livro homônimo do qual foi
adaptado (de Luís Mir, 2010) – este que, repleto dos detalhes
médicos sobre os mistérios que envolveram seu estado de saúde, parece ter
servido apenas nesse quesito específico quando transposto de mídia, já que para
compor o restante da narrativa, os responsáveis, infelizmente, foram obrigados
a recorrer a uma série de decisões que prejudicaram definitivamente o
resultado.
Iniciando a partir de uma breve recapitulação
feita por uma narração que estabelece o clima da necessidade do retorno de um
estado democrático, ainda mais após o movimento das Diretas Já, o longa apresenta
Tancredo Neves (Othon Bastos)
reunido com membros de sua família, políticos e equipe, enquanto conta uma
história da sua época de Promotor Público, quando um encontro com um barbeiro a
quem tinha ajudado a condenar por um crime serve como forma de revelar o seu “destino”
de liderança. Na mesma cena, já começa a entoar discursos sobre a importância
de sua posse e o significado dela para o país, apenas para ser interrompido por
um dor abdominal da qual já vinha sofrendo há algum tempo, dando início ao que
servirá como base para o desenvolvimento da trama.
A partir desse momento, a via crucis do protagonista se estende
por corredores de hospitais e salas de cirurgia enquanto breves recortes em
imagens de arquivo mostram um pouco do clima de incerteza e agonia de uma
população que ainda não tinha o poder e rapidez de comunicação de hoje em dia.
Nesse sentido, a direção de Rezende acerta em manter a crueza e não poupar
todas as etapas do sofrimento de um paciente ilustre sendo vítima de uma série
de procedimentos médicos prejudicados pela necessidade de manter as aparências
diante da imprensa. Sem utilizar trilha sonora alguma para forçar o clima de
tensão, a situação do personagem choca mais pela recorrência com a insensível
realidade de ser acometido por um problema grave na saúde do que por qualquer
outro recurso narrativo que poderia ser usado para exagerá-lo.
Infelizmente, isso é o máximo que
se pode reconhecer como qualidade, já que o roteiro de Gustavo Lipsztein (Polícia
Federal: A Lei é Para Todos) inunda toda a projeção de diálogos sofríveis e
situações absolutamente artificiais. Se eu havia mencionado o fato do
ex-presidente começar o longa declamando sua importância para o futuro político
do Brasil, deveria ter completado que essa é basicamente a ÚNICA característica
presente nas interações do personagem; sendo ainda mais justo: não é sequer um “personagem”
e está mais para um dispositivo que se comunica como porta voz de frases de efeito
e trechos retirados de um comício, retirando qualquer possibilidade de conferir
alguma substância a ele. “O futuro da
nação depende da minha posse”, ele repete dezenas de vezes durante seus
acessos de dor e andanças pelo Hospital de Base do Distrito Federal; ou solta
um “eu tenho projetos e planos para o
país...” enquanto olha para cima no meio do corredor do pronto-socorro em
uma cena que parece ter saído de uma simulação dramática típica de programas
criminais.
Assim, é uma pena que ótimos
atores como os que compõe esse elenco sejam obrigados a tentar se sobressair em
meio a um texto tão ruim. Basta observar como Othon Bastos brilha quando o roteiro o força a atuar além das
falas, igualando o sofrimento e agonia de estar em deitado em uma maca a mercê
de seu corpo tanto no mito da política quanto para o ser humano igual a todos
nós – e como prova desse mérito é a forma como ele consegue a tarefa quase
impossível de despertar empatia mesmo quando tem de reagir a outros péssimos
diálogos e situações. Não ajuda, claro, o fato da montagem piorar a situação ao
incluir pavorosos planos das reações de outros personagens às falas de
Tancredo, como se todos eles estivessem continuamente assombrados e inspirados
por suas lições vida.
E quanto a eles, menos ainda pode
se esperar. São todos igualmente superficiais e outros beirando ao humor
involuntário (há duas ou três cenas constrangedoras envolvendo a tristeza coletiva
da família de Tancredo). Emílio Dantas
se vira como pode na pelo do secretário de imprensa Antônio Britto, e Otávio Muller mantém uma constância
dentro do possível para o Dr.Renault. Se há algo que talvez funcione seja o
fato das caricaturas (propositais ou não) acabarem servindo como uma forma de
ironizar o esnobe núcleo de médicos preocupados com a repercussão do caso em
suas carreiras, o que acaba fazendo com que o circo de egos entre o Dr. Pinheiro
Rocha (Leonardo Medeiros) e o Dr.
Pinotti (Paulo Betti) seja o...
digamos: menos pior de tudo que acontece na trama. Fora isso, talvez os mais
politicamente sedentos por alguma piadinha interna notarão que a presença
totalmente dispensável do neto, Aécio Neves (Lucas Drummond), basicamente só serve como uma identificação mais
imediata e para fazer uma rápida referência à utilização da palavra “leviano”.
Como se ainda não bastasse, há a
necessidade de incluir sequências de sonhos que deveriam servir para nos aprofundar
na mente e na personalidade do protagonista, mas que na prática só servem como
uma espécie de exposição completamente redundante do desejo latente na posse do
cargo e em sua imagem caminhando com a faixa presidencial – além de serem
muito, mas muito bregas (na falta de um termo melhor). Com isso, sobra a
curiosidade sobre os eventos ocorridos no período de sua internação até sua
morte – fora que o longa exibe algumas imagens reais de valor histórico e que
tem uma curiosa correspondência com a atualidade (algo me diz que os populares
que exclamavam “ele levou um tiro e não
estão contando pra gente” não se sairiam muito melhor hoje em dia se fossem
convencidos por alguma postagem falsa de internet...).
O Paciente – O Caso Tancredo Neves é frágil, engessado e um imenso
vácuo de personagens. Até seu melhor aspecto, quando faz escolhas coerentes nos
momentos da trama que se focam na enfermidade do homem, surge extremamente
deslocado pela incapacidade de se distanciar do estereótipo que sobrevive na
história. Ao final, fica o desejo de ver o mesmo personagem (e Bastos também) e
um reboot melhorado para um possível Universo Cinematográfico Político
Brasileiro.
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