Se observarmos a maioria dos
trabalhos de Richard Linklater, fica
claro que seu maio tino é observar de perto – e com sensibilidade – o ser
humano. Talentoso ao criar narrativas envolventes através da observação do
comportamento rotineiro, sua filmografia é uma fonte de histórias tocantes e
mais profundas do que parecem na superfície. A trilogia do “Antes...” é o florescer, os
desencontros e o amadurecimento de um romance em capítulos de tempo quase real
à da própria narrativa, porém separados por intervalos de anos. Já no belíssimo
Boyhood, o período é expandido e as
três horas do filme são um coming of age observacional
que aposta nas pequenas coisas como grandes conflitos. Talvez por isso o
elemento tempo seja tão comum ao
diretor. É um recorte específico de uma vida e de personagens que constroem
suas mensagens através da simples convivência e de uma trama a mais direta
possível.
O que é, novamente, o caso de seu
novo trabalho, A Melhor Escolha, que
fala sobre a reunião de três amigos ex-combatentes no Vietnã em ocasião da
morte do filho de um deles, Larry “Doc” (Steve
Carell), na guerra do Iraque (a história se passa em 2003). Pedindo ajuda a
Sal (Bryan Cranston) para levar o
corpo de volta para sua cidade natal, ele ainda visita Richard (Laurence Fishburne), que virou pastor
depois de deixar a Marinha, para completar o trio numa viagem onde irão lembrar
dos momentos difíceis e de uma amizade adormecida pelos anos em meio a três
personalidades muito diferentes.
Adotando a estrutura de um road movie bem clássico, o filme, em termos
de proposta, em nada foge do que o diretor tem feito em sua excelente carreira:
aproveitar um recorte de tempo específico para mergulhar na relação dos
personagens e refletir sobre o peso de suas histórias para si e para cada um
deles. Basicamente, a narrativa é construída com base em momentos de gradativa
familiaridade que um reencontro pode proporcionar. São amigos que não se veem
há muito tempo e que tem uma época marcante compartilhada entre eles. Grande
parte da simpatia e do engajamento necessário para que o espectador acompanhe
duas horas de uma obra calcada em diálogos é originada de um elenco principal
afiado. A química do trio é imediata e compramos imediatamente a bagagem
emocional de cada um. Acreditamos que ali existe um passado significativo e a
forma natural com a qual o filme consegue nos convencer disso é, também, o seu
grande mérito.
E é realmente difícil não sentir
empatia por Doc e sua caracterização por Steve
Carell. É interessante como o ator ultimamente tem aprendido a usar seu
rosto expressivo para a comédia de modo a inverter nossa expectativa quanto às
suas reações. Adotando um equilíbrio certeiro, Doc é aquele por quem sentimos
pena ao mesmo tempo em que ficamos curiosos em decifrar seus silêncios. Sua
personalidade ainda ganha ótimos contornos quando “rivalizada” com a de Sal,
interpretado por um Bryan Cranston
muito à vontade em usar de sua persona extrovertida e com ótimo timing cômico
(basta observar qualquer entrevista com o ator), o que pode nos levar a pensar
o quanto de uma real construção de personagem há ali – apesar de, no fim das
contas, não importar muito porque funciona perfeitamente bem para o papel. E
numa posição de quase “mediador”, Laurence
Fishburne traz sua eterna aura de guru para um Richard que jamais parece
falso em suas características – e o fato de sua “velha” personalidade
problemática aparecer de vez em quando traz ainda mais realidade ao papel.
Juntando os três com a capacidade
de Linklater em criar situações que
vão do afeto ao confronto organicamente, o melhor da obra é sentir que
observamos uma bagagem de vida que transborda através dos ótimos diálogos do
roteiro – também do próprio diretor. As lembranças flutuam entre as chacotas de
Sal, as tentativas de justificar o histórico paradoxal de Richard e um mistério
acerca do passado de Doc. Falando nisso, é esse o elemento que acaba não tendo
tanta importância assim quanto o próprio filme acredita, já que sua força nunca
está realmente na trama. Dessa maneira, sempre que o texto insiste na tentativa
de criar expectativas sobre um certo acontecimento pregresso, este não surte
muito efeito, já que não demora muito para entendermos o que é, além de suas
implicações serem resolvidas de forma meio apressada e sem o impacto que
merecia.
E novamente, os melhores
conflitos são os que se traduzem nas conversas e pequenas confissões do trio.
Passada numa época recém 11 de Setembro, a desilusão dos veteranos em relação
ao imaginário “libertador” da política norte americana é quase um prenúncio
daquela que seguiria um longo calvário semelhante à ocupação e interferência no
Oriente Médio – demonstrada através do Coronel Willits (Yul Vazquez) e o soldado Washington (J. Quinton Johnson). Nesse sentido, não é a proposta do diretor
colocar os aspectos políticos em um subtexto. Eles estão lá e fazem parte da
temática direta. O que acontece é que toda essa discussão entra no principal
problema do longa: não há muito fôlego que sustente as duas horas de duração e
a narrativa acaba dependendo de blocos repetitivos que tendem a martelar alguns
elementos de trama e de personagem. Embora seja divertido o embate, por
exemplo, entre o ceticismo de Sal a fé de Richard, o tema perde a novidade
quando não traz mais nenhum crescimento entre os personagens; assim como suas
próprias visões sobre a guerra não vão muito além de uma reflexão com
substância limitada.
O resultado é uma obra simpática
que, apesar de se passar num ambiente de luto, funciona pelo bom humor
(principalmente o que vem de Sal) e pela sensação de que conhecemos os
personagens, tornando agradável acompanhá-los em sua jornada saudosista e
agridoce. A Melhor Escolha não chega
perto dos belos insights produzidos
por outras obras superiores, mas ainda é um bom Linklater.
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