Durante uma missão à Marte, uma tempestade inesperada atinge uma equipe de exploração da NASA e após uma fuga, onde por decisão da capitã Melissa Lewis (Jessica Chastain), o astronauta Mark Watney (Matt Damon) é deixado para trás e considerado morto pela tripulação da nave. A notícia logo chega a Terra e é comunicada globalmente pelo diretor da NASA Teddy Sanders (Jeff Daniels). Entretanto, eles descobrem que Mark está vivo e sobrevivendo no Planeta Vermelho graças aos suprimentos que restaram. Sem previsão de resgate do astronauta, pois a tripulação permanecia concentrada na missão inicial e sem saber da improvável sobrevivência de Mark, o astronauta se encontra em um ambiente desconhecido e solitário e precisa resistir até que consigam "trazê-lo para casa", como indica o slogan do filme.
Um aviso importante para quem for assistir ao filme, é
que não espere nada parecido com 2001 ou Interestelar, onde há o uso de
linguagem bastante técnica servindo para impulsionar a história (o que ocasiona
momentos de difícil absorção para o público "comum"), com objetivo de
proporcionar ao espectador uma simulação muito próxima da realidade. Perdido
em Marte é prioritariamente um filme de entretenimento. Não é que não se
leve a sério, mas o tom da história e a condução da sua narrativa são
extremamente descontraídas. Ainda há o "papo científico" - e segundo
especialistas, ele condiz com a realidade - mas aqui ele é bem mais leve e
serve para consolidar o "universo" do filme. Em alguns casos, isso
chegou até a incomodar um pouquinho, dada a gravidade da situação. Algumas
pessoas que conversei depois me disseram que nunca uma situação de resgate
delicada como aquela seria tratada com tanto bom humor. Mas a escolha do elenco
- excelente, diga-se de passagem - já dava dicas do tom descontraído que
permearia durante todo o filme. Michael Peña (o astronauta Rick
Martinez), em grande fase após praticamente ofuscar todo o elenco de
"Homem-Formiga", disputa lado a lado com Damon e Kristen
Wiig (a Relações Públicas Annie Montrose) pelas melhores piadas do filme, e
continua dono das frases mais engraçadas, apesar do protagonista estar muito à
vontade no papel de Mark Whatney, divertindo o público a todo momento e
visivelmente se divertindo bastante.
Mais um ponto positivo do filme, este no quesito
originalidade, foi não recorrer à inteligência artificial para alívio cômico ou
outra função qualquer - como já vimos em 2001, Uma Odisséia no Espaço
(1968), Interestelar (2014), Lunar (2009) e etc. Isto reforça a identidade
própria do filme e não gera no espectador aquela sensação de familiaridade com
o roteiro e nem comparações inevitáveis. Quanto às suas escolhas de roteiro,
Perdido em Marte faz algumas apostas politicamente corretas. O filme evita na
maior parte do tempo entrar em assuntos polêmicos, como a discussão religião vs
ciência, com exceção de um momento engraçado, onde Mark descasca o crucifixo de
Martinez, sob o comentário de que o amigo entenderia se estivesse na mesma
posição. Uma cutucada bem "de leve" (como se a religião fosse mais
útil ajudando em algo concreto e menos "empírico") e que não chega a
incomodar mesmo aqueles mais sensíveis. Outro exemplo de diplomacia empregado
foi subverter a já batida rivalidade entre EUA e Rússia ou China, como é o caso
deste filme. Em um determinado momento na história, os chineses demonstram sua
classe e compaixão ao ajudarem os norte-americanos "anonimamente"
sacrificando uma missão importante. A pergunta que fica é: será que os EUA
ajudariam seus rivais da mesma forma?
Apesar desta análise ser baseada inteiramente na
versão cinematográfica da história, pessoas que leram o livro afirmam que o
resultado saiu satisfatoriamente bastante fiel ao material original. O roteiro
de Drew Goddard foi baseado no livro de Andy Weir, e mais uma vez
o criador da série Demolidor e dos ótimos Cloverfield, O Monstro (2008) e O
Segredo da Cabana (2012) não decepcionou. Como já mencionei, o roteirista
soube entender a proposta do filme e não abusou de termos técnicos e
reviravoltas muito dramáticas, mas optou pelos diálogos dinâmicos e engraçados,
já que o filme tem 2 horas e 20 minutos de duração e não precisava ficar tão
"pesado". O elenco conta com sólidas atuações, como
Jeff Daniels e principalmente Matt Damon e Chiwetel Ejiofor (que
interpreta Vincent Kapoor), e com papéis bem desempenhados pelo restante da
equipe, mas que poderiam ter sido melhores aproveitados, como Jessica Chastain
e Kate Mara (a nerd Beth Johanssen), mas de acordo com a intenção da trama, é
aceitável que o foco estivesse na sobrevivência e resgate de Mark. Sean
Bean, atuando como Mitch Henderson,
é outro que cumpre bem o seu papel - e há uma referência a "O Senhor dos
Anéis" hilária.
A ótima trilha de Harry Gregson-Williams -
assim como aconteceu com Steven Price em "Gravidade" - desta vez pareceu
mais inspirada no estilo romântico de compositores como James Horner ou Thomas
Newman do que na habitual trilha "espetacular" de Hans Zimmer ("Interestelar"
2014), estilisticamente falando. Zimmer é uma das maiores referências em
trilhas para grandes filmes, por saber usar como poucos orquestrações
grandiosas e impactantes a seu favor, dando um poder muito dramático a seus
filmes. Mas para Perdido em Marte, o experiente compositor inglês Gregson-Williams
apostou em temas mais melódicos (semelhante ao que experimentou utilizar na
trilha de "Chamas da Vingança" em 2004 e deu muito certo), que
expressem o isolamento do astronauta e sua saudade de casa. Mais um grande
trabalho do compositor e que pode lhe render sua primeira indicação ao Oscar. A
fotografia excelente do polonês Dariusz Wolski e arte mais que
competente de Arthur Max (indicado duas vezes ao Oscar por trabalhos com
Ridley Scott), são cheias de detalhes e tão bem feitas que conseguem
fazer o espectador sentir-se em Marte na maior parte do tempo. Aliás, entrando
em aspectos técnicos o filme é fantástico e pode concorrer em várias
categorias.
Concluindo, o retorno de Ridley Scott ao espaço
desde Prometheus (2012), não poderia ser melhor. Contando com sua
experiente direção, com belas tomadas da paisagem e o ótimo enquadramento
reforçando as emoções dos atores, Perdido em Marte é um exemplo de como todo
blockbuster deveria ser. Grandioso, divertido e sem esquecer o
principal: uma história interessante que faça o espectador imergir no filme. É
realmente confortante saber que ainda há diretores capazes de pegar assuntos
tão complexos como este e transformá-los de forma simples e interessante para o
público cinéfilo. Perdido em Marte entra para a galeria das melhores ficções
científicas do Cinema e é de fato um filme imperdível.
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